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sábado, 28 de junho de 2014

Infeliz da seleção que depende de heróis. Feliz das que os tem!



Joseph Campbell talvez tenha sido o maior dos entendedores de mitologia do mundo, sistematizando muito bem o que ele entendia por “monomito” ou “jornada do heroi”. Tal conceito serve para retratar uma espécie de padrão nos ciclos que envolvem as narrativas fantásticas, como as de Buddha, Prometeu, Jesus, e tantas outras. Nesse padrão estariam contidos muitos estágios pelos quais os heróis frequentemente passam. Por serem demasiados numerosos, podemos nos ater apenas à alguns deles.
O mundo comum é o primeiro! Aquele mesmo cotidiano ao qual todos os homens estão acostumados, poderia ser uma Grécia guerreira, uma Galiléia escravizada, uma Matrix criada pelas máquinas ou uma patria acostumada em ser a melhor do mundo. Neste ultimo, nasceu o herói sobre o qual quero narrar hoje, que assim como os demais herois, recebeu um chamado, a convocação para uma aventura; defender a seleção de seu país na Copa do Mundo!
Agiu bravamente ao não recusar o chamado, e juntado-se aos seus, foi conhecer os gramados africanos, ainda em 2010, onde cruzaria o que entendo ter sido o seu primeiro portal, no estádio Nelson Mandela Bay. Era lá que iria encontrar, aos oito minutos do segundo tempo, sua primeira grande provação. Numa bola aérea de Sneijder, subiu num shoryuken certeiro, de dar inveja ao Ryu, mas que por uma traquinagem dos deuses do futebol, fez encontrar Felipe Mello, seu companheiro, desviando a redonda para dentro do gol, selando a vitória batava. E todas as exaltações por suas proezas num mundo mítico do futebol, como ter sido eleito o terceiro melhor goleiro do mundo em 2009, foram esquecidas.
A queda e crucificação midiática sofrida, fizeram o então vencedor de nada menos que cinco torneios europeus e uma Champion’s League, ser transferido para o Queens Park Rangers, um time da segunda divisão inglesa, período este em que machucou o dedo e ficou afastado dos treinos. Chegou a pensar em não jogar mais pela seleção, por se tartar de algo extremamente penoso e por vezes, injusto. Mas, como nos revela Campbell, a recusa do chamado haveria de atormentá-lo, pois seria uma luta do seu próprio ego contra os interesses universais e superiores.
Depois emprestado, seguiu defendendo o Toronto F.C., time de um país sem tradição alguma no futebol onde recebeu grande apoio de Ryan Nelsen para seguir treinando nos gramados oficiais. Enquanto isso, sem que ninguém soubesse, treinava com seu filho de onze anos em parques públicos da cidade onde morava. A história de Barbosa (goleiro da copa de 50) sempre lhe vinha à mente e um segundo chamado lhe foi feito por parte da comissão técnica da seleção brasileira.
Sob muitas suspeitas, voltou a atuar no time verde e amarelo, estando sempre pronto para atender quando requisitado em campo, levando vários de seus críticos a fazerem ressalvas sobre suas próprias desconfianças, que se deviam, em parte por ele estar atuando na Major League Soccer, em parte pelo narrado episódio na Africa do Sul. Mas, foi no dia 28 de junho de 2014, estádio do Mineirão, que a prova mais difícil ressurgiria, pois,  duas horas de bola rolando não foram suficientes para que uma das duas seleções, brasileira e chilena, demonstrassem superioridade, uma perante a outra, ficando para o herói tal responsabilidade.
E assim, ele, que já havia defendido tiro certeiro de Aranguiz, fazendo ecoar seu nome pelos mais de cinquenta mil pagantes das arquibancadas, veio a completar sua missão com mais duas defesas que impediram a vantagem chilena. Mesmo na última cobrança, quando percebeu que a distância da bola era muito superior ao comprimento de seu braço, usou o seu último recurso, o “poderoso olhar secador”, fazendo aquela bater na trave, para matar seus demônios e atingir a apoteose.
Hoje, ele se consagrou assim senhor de dois mundos, um mítico, tão fantástico quanto pueril, que acontece diante das luzes, cameras e multidões. E outro, que deve estar no seu lar, no abrir da porta da sala, guardado na visão de seu filho e treinador, que seguramente estará esperando para abraçá-lo como seu pai-herói!


Para aqueles que se interessarem, abaixo um video produzido pela MLS sobre o Júlio Cesar que pode ser o primeiro participante da liga a se tornar campeão mundial  e outro, para quem aprecia mitologia e quer conhecer um pouquinho do Joseph Campbell.



http://leandromarshall.files.wordpress.com/2012/05/joseph-campbell-o-heroi-de-mil-faces1.pdf

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Contos de um cemitério...

Fazia tempo que ninguém passava por ali... terras ermas agora. Triste, toda terra abandonada deixa marcas e restos que nos remetem a lembranças que não sabemos se queremos mais. Antes havia tantos retratos, tantos rostos e sorrisos. Pessoas se encontravam para discutir e confraternizar. Era como se as distâncias não existissem...
Mas, eis que foi chegado o progresso e a modernidade. Novos planos e projetos, inexplorados territórios. As pessoas ainda parecem ser as mesmas, mas a migração se deu em fases e tantas comunidades se desfizeram. Talvez a culpa seja dos grupos de vanguarda que trilham caminhos inexplorados em busca de um futuro diferente. Como se as terras fosse tão diferentes assim.
E nessas terras ermas, está o que sobrou. A maior parte dos retratos foram levados, toda vida que parecia fluir por ali foi trocada por um silêncio mórbido. E os mortos. Quantos mortos surgiram. Quantos mortos ficaram... vagar por aqui é como visitar túmulos em um gigantesco cemitério. Entretanto, fica a dúvida: o que fazer quando alguém morre no mundo de sempre? Apagamos seu perfil no Orkut? Mantemo-lo como lembrança de alguém que gostava de se descrever daquela forma?
Há, sem dúvida, um duplo sentido na morbidez da vastidão Orkut. Tanto os que ainda se sentem vivos abandonaram a velha roupagem, assim como o espaço virtual que ocupavam, quanto os que já morreram e sequer tiveram tempo de migrar. Imagine só, a garota de paquera com um perfil do Orkut ou do Facebook, admirando as fotos e descrição, investigando o tudo que diz quase nada e o dono do perfil morreu na semana passada. Acho que se eu fosse espírito, continuaria intervindo no meu perfil, escrevendo, postando e cutucando aqueles que de nada suspeitam.